Texto e dados levantados com a colaboração de: João Ferraz.
Fotos: acervo pessoal de João Ferraz.
Nos anos 80 a importação de veículos era proibida no Brasil, somado a isso também existia uma alta inflação, a situação da economia não era das melhores, o regime militar que dava seus últimos suspiros e enfim, o cenário não era dos mais adequados para o lançamento de novos modelos de automóveis ou mesmo da instalação de novas fabricas, nesse contexto a Gurgel Motores explorava um nicho de mercado com veículos muito interessantes que atendiam a um segmento especifico, esses eram os X-12 e os Tocantins que utilizavam muitas peças Volkswagen : motor a ar, suspensão dianteira, caixa de direção, instrumentos de painel, e etc., e isso se dava devido a um acordo que a Gurgel Motores tinha com a Volkswagen que foi firmado nos tempos da ditadura e que garantiam o fornecimento desses componentes vitais, tal acordo só era possível porque a Gurgel não fazia concorrência a VW por atuar num segmento de mercado que não competia com a montadora alemã.
Como havia necessidade de um veículo de maior porte a Gurgel desenvolveu nos anos 80 o X-15 . Esse veículo foi criado inicialmente como uma plataforma militar sem carroceria e posteriormente evoluiu para o X-15 e o G-15 (pick-up) que eram veículos muito interessantes, mas que em termos de confronto e ergonomia deixavam a desejar , por serem muito altos, o imenso vão livre com o solo,que era muito desejável no fora de estrada deixava a porta numa altura considerável, dificultando o acesso de pessoas mais baixas, por dentro, apesar de bem espaçoso, tem o teto um pouco baixo e por isso a posição de dirigir é mais para esticado e não sentado. Outro ponto negativo é o barulho interno provocado pelo motor VW a ar.
Para completar o leque de opções o Sr João Gurgel percebeu que poderia criar um novo veículo mais confortável e de melhor desempenho no asfalto e criou o Carajás, em 1984, para isso, de certa forma, fez algo semelhante ao que a própria VW havia feito no passado, com motor AP dianteiro , refrigerado a água, e como o Carajás deveria ser um Jipe que pudesse ser usado no fora de estrada este adotou a tração traseira como diretiva, mas, não existia na VW na época nenhum veículo de motor dianteiro e tração traseira, logo, a criatividade do Sr Gurgel trabalhou e a solução foi montar uma caixa de marchas da Kombi montada invertida na traseira e uniu a mesma com o motor, para isso ele criou um tipo de eixo cardã diferente, que unia o motor a frente com cambio atrás, chamado TTS, que é a sigla para tork tube system, em inglês, ou”sistema de tubo de torque” uma solução já utilizada em outros veículos no passado, mas no caso do Carajás a embreagem ficava presa ao motor e por isso tinha-se uma massa grande gerando inércia que dificultava as reduções de marcha, a solução era um adesivo no console solicitando que o motorista realizasse as trocas de marchas com maior intervalo de tempo, na prática esse é um dos pontos ruins do Carajás que acaba provocando um desgaste nos anéis sincronizadores com o tempo de uso.
A suspensão dianteira e a caixa de direção do Carajás são as mesmas da Kombi , mas, por ter um motor pesado na frente, o motor AP pesa em média uns 170Kg ,isso somado ao peso do motorista faz com que o Carajás tenha uma direção bem pesada para manobras quando parado, mas, em velocidade é algo aceitável, as famosas folgas da caixa da Kombi também vieram junto, como nunca existiu Kombi com direção hidráulica o Carajás também nunca a teve, pelo menos como original.
O Carajás teve versões a álcool, a gasolina utilizando o motor 1.8 AP e uma versão a diesel, essa ultima usava o motor da Kombi diesel que é basicamente um motor AP 1.6 com cabeçote e pistões próprios, os pneus utilizados eram os cidade campo da Firestone na medida 7.35 aro 14 que apesar de serem relativamente grandes , este conjunto roda/pneu ficava até pequeno para o porte do Carajás, mas novamente, a Gurgel utilizou o que tinha disponível por questões de redução de custos, também existia a opção de radiais CV 2000 que seria equivalente ao 185/80 aro 14 .
O acabamento do Carajás era superior aos outros veículos da Gurgel, contando com carpetes, bancos enormes e reclináveis, amplo espaço interno e há também um sistema de ventilação no teto, através de uma claraboia que se abria por uma alavanca e contava com 5 grades de distribuição de ventilação de modelos iguais aos usados nos primeiros Gol da VW, esse sistema funciona bem a partir de 30km/h mas produz ruídos acima de 100km/h e consegue funcionar mesmo sob chuva torrencial, mas, não faz milagres e seu maior trunfo é promover uma eficiente ventilação uma vez que o Carajás nunca teve ar condicionado de fábrica.
Seguindo a linha da Gurgel o Carajás também tem um chassis superdimensionado, preso a carroceria de fibra de vidro através de um processo de laminação que protege o chassis contra ferrugem e torna o conjunto extremamente forte e apto ao uso fora de estrada, esse chassis é chamado pela Gurgel de Plasteel , que é uma palavra que mistura plastic com steel, em inglês, ou traduzido: plástico com aço, na pratica esse sistema acaba sendo um problema porque o tipo de fibra de vidro utilizada para recobrir o chassis permite a migração de agua e com o tempo há formação de ferrugem , e como o chassis fica oculto esse problema nem sempre é percebido pelos proprietários.
A carroceria do Carajás é feita em fibra de vidro com resina plástica dividida em duas partes: monobloco inferior e teto, os primeiros modelos tinha o teto pintado de preto, o que era um charme a mais, mas ajudava a esquentar o interior do veículo.
Na pratica o Carajás se comporta muito bem no asfalto, permitindo velocidades de cruzeiro de 120km/h sem apresentar balanços laterais quando cruza com caminhões em sentido contrário, essa característica se deve ao uso de molas helicoidais bem rígidas na suspensão traseira e feixes de molas dianteiros dimensionados para a Kombi , esse conjunto com a manutenção adequada é muito resistente, nas curvas de raio longo sua estabilidade é melhor do que o esperado para veículos desse porte e somente nas curvas de raio curto é que ocorre uma esperada saída de traseira que é perfeitamente controlável.
O espaço interno é muito grande, o motorista e o passageiro da frente tem seus ombros bem distantes, sob os pés há um espaço enorme, nos primeiros modelos o banco do motorista era um pouco baixo e junto com estepe no capô havia dificuldade de visualização da pista por pessoas mais baixas, esse problema foi corrigido com o tempo, o estepe sobre o capô do motor, em um berço esculpido na fibra, libera espaço no enorme porta malas e dois amortecedores a gás tornam o ato de levantar o capô algo relativamente fácil, fora que esse estepe na frente é um charme que indica claramente o uso fora de estrada do Jipe, alias, no documento dos Carajás, no campo espécie modelo, vem escrito Jipe , com a letra i, não Jeep , que é marca exclusiva da Chrysler , cabe aqui ressaltar que alguns Detrans acabam modificando essa denominação original Jipe, coisas inexplicáveis de nosso pais.
A manutenção do Carajás nos dias de hoje é algo bem simples, muitas de suas peças são as mesmas de outros carros , os preços são bem baixos, a maior dificuldade é encontrar um mecânico que aceite mexer com carburadores, coisa rara hoje em dia.
Algumas partes do Carajás são as mesmas de outros carros: suspensão dianteira, caixa de direção, mangas de eixo traseiras, freios,caixa de cambio, lanterna traseira, são da Kombi, faróis são os do Passat TS, o motor AP 1.8 é o mesmo dos Santana, Gol, Voyage, radiador do Santana e por ai vai.
O conceito do Carajás é o de um SUV , do inglês, Sport Utility Vehicle, que significa “veículo utilitário esportivo” nessa linha podemos dizer que no Brasil,a Rural Willis foi o primeiro veículo com esse conceito, seguida pelo Carajás, nisso o Sr Gurgel foi um visionário mesmo.
Uma característica dos X-12 e X-15 era o Seletraction , que nada mais é que a adição de duas alavancas sobre o freio de mão que podem ser usadas para frear cada roda de tração individualmente, isso serve para o caso de uma delas patinar , no uso em barro por exemplo, assim, se freia a roda que estiver girando em falso e que estaria drenado toda a tração, dessa forma o torque passa a outra roda e desatolamos o veículo, esse seletraction foi também utilizado no Carajás.
Os Carajás nasceram com duas portas e a tampa traseira era inicialmente dividida em duas partes , uma superior e uma inferior, que se abria até a vertical liberando assim o acesso ao porta malas, em 1989 a tampa traseira passou a ser única, abrindo para cima,em 1988 surgiram os Carajás de 4 portas que inicialmente eram utilizados pelas policia e pelos bombeiros.
Há um modelo de Carajás mais sofisticado que é o Vip, ele vem com vidros verdes, rodas cromadas em vez de pintadas e há uma tampa de estepe em fibra de vidro com o logo Carajás. O nome Carajás foi dado em homenagem a tribo localizada às margens do Araguaia. Um detalhe que logo chama a atenção é o estepe sobre o alto capô dianteiro, solução inspirada nos Land Rovers que nos primeiros modelos prejudicava a visibilidade frontal porque também o banco do motorista ficava um pouco mais baixo do que o ideal, estes problemas logo forma solucionados. Dois anos após seu lançamento, a revista QUATRO RODAS testou as três motorizações de uma vez só, na edição 311, de junho de 1986. Elogios para espaço interno, porta-malas de 496 litros e sistema de ventilação. Também é alvo de bom conceito a disposição dos bancos, com o traseiro ligeiramente mais elevado que os dianteiros. Fabricado nas versões Standard e Luxo. O Carajás era caro para o público e não alcançou o sucesso esperado.
Encontrar um Carajás para compra em bom estado atualmente é um trabalho e tanto, mas, com ajuda da internet as coisas ficaram mais fáceis, quanto mais original mais difícil é a busca. Em 2015 deverão aparecer os primeiros com placa preta , uma vez que na prática, foi em 1985 que eles foram colocados a venda.
Dirigir um Carajás é uma experiência muito interessante, a primeira impressão é a de estaremos ao volante de um jipe enorme, mas na pratica as coisas são bem mais suaves, em comprimento o Carajás é 13cm menor que os primeiros Ecosport da Ford, mas a sua largura é bem maior, a posição de pilotagem é semelhante a de uma Kombi,mas, com muito mais conforto e controle, o motor AP proporciona um desempenho honesto e mesmo carregado consegue-se manter boa velocidade mesmo em subidas de serra, os freios, que são os mesmos da Kombi, com disco na dianteira,são bem dimensionados e a sensação é a que estamos numa sala com rodas, grande por dentro,mas que por fora é até pequena, é um veículo que impõe respeito e é muito divertido ver os donos de SUV modernas esgoelando seus motores para ultrapassar o Carajás e mostrar para eles mesmos que seus veículos caríssimos não podem tomar um baile de um carro antigo , chega a ser engraçado ! o dono de um Carajás não deve ser uma pessoa tímida porque ele chama bastante a atenção nas ruas as pessoas muitas vezes te param pra fazer perguntas sobre o carro, as crianças adoram, é diversão garantida.
Versões Diversas
Versão Lona de 1984 – Apesar de constar em literatura, não se conhece nenhum modelo fabricado.
1984 a 1988 – TR Fase 1. 2 portas.
1984 – Fase 1 Militar
19__ – Fase 1 – Bombeiro.
19__ – Fase 1 – Policia Militar Florestal.
1988 a 1989 – TR Fase 2. 4 portas. A porta de traseira é feita numa peça só. Na versão VIP as rodas eram cromadas, os vidros fumê, a pintura metálica acrílica e os bancos tinham melhor revestimento. A versão 4 portas foi feita, em parte, para atender um pedido da Polícia Miliatar, tanto que as primeiras unidades foram direto para a PM de São Paulo.
Fotos: / Site Gurgel 800.
1988 a 1989 – Fase 2 – Policia Militar (Tático Móvel).
1988 a 1989 – Fase 2 – Ambulância
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