Modelos – Gurgel BR-800 (1988-1991)

O veículo que veio a ser conhecido e fabricado sob o nome BR-800 na verdade nasceu como resultado do Projeto CENA – sigla para Carro Econômico NAcional. A história popularmente contada é que, por ação da assessoria pessoal do piloto Ayrton Senna, o nome deveria ser trocado para evitar quaisquer associações entre a fábrica e seu modelo e o famoso piloto. Na edição 325 da Quatro Rodas (agosto de 1987) o protótipo ainda era chamado exclusivamente de CENA, apesar de estampar “280-M” na carroceria. Na edição 327 (outubro de 1987) o carro já é chamado de, ora 280, ora 280M, e ainda ocasionalmente de CENA. Já na edição 339 (outubro de 1988) o nome já é o definitivo, BR-800, ainda que referenciado ao Projeto do Carro Econômico Nacional.

O primeiro rascunho, se é que pode-se assim chamá-lo, do CENA era o mais espartano possível, e guardava algumas similaridades e também diferenças com o que seria o BR-800 definitivo. Havia a pretensão de oferecer o propulsor de dois cilindros opostos refrigerado a água em duas capacidades, 650 (modelo 265) e 800cm³ (280). Mecanicamente o modelo tinha o alternador em tração direta com o virabrequim, eliminando quaisquer correias. A suspensão dianteira mantinha as molas helicoidais, mas discos de fricção reguláveis faziam as vezes de amortecedores, que se mantinham na traseira, aliados a feixes de mola. O interior era o mais simples possível, com bancos finos (aproveitamento de espaço e economia de material) e painel com portaluvas sem tampa. O estepe ainda era fixado no compartimento de malas.

280M Fechado

(280M modelo sedã – foto do acervo de Ricardo Gurgel)

280M Aberto

(280M modelo conversível com capota tipo Caribe – foto de acervo de Felipe Olivani)

O segundo protótipo, referido quase sempre como 280M, já era um projeto mais ousado. O painel era mais elaborado e tinha o famoso portaluvas/maleta, que poderia ser levado junto do motorista deixando apenas seu espaço no painel – ideia que não foi adotada no carro de produção final.  A suspensão dianteira tinha os discos de fricção substituídos pelo sistema que viria a ser chamado de SpringShock – mola helicoidal banhada a óleo dentro do tubo do amortecedor, unificando as peças) – e que seria adotados nos primeiros modelos. Enquanto a pretensão de um propulsor de 650cm³ não era mais mencionada – provável razão para o sumiço da nomenclatura 265 – havia o projeto de um motor com carburação dupla, que também nunca foi adotado em qualquer carro de produção.

Painel Maleta

(Painel com portaluvas maleta do 280M – foto retirada do site Gurgel800)

No XV Salão do Automóvel de 1988 o BR-800 foi apresentado em sua versão final em três modelos de carroceria: Sedã (na verdade uma carroceria de estilo Hatchback, mas que não apresentava tampa ou vidro traseiro basculante), Picape e Conversível. O estepe, que antes ficava atrás do banco traseiro, no compartimento das malas, passou a ser embutido na traseira, com acesso por uma pequena porta de acesso externo. O modelo definitivo tinha as lanternas traseiras completamente novas, peças próprias (na verdade piscas de Brasília em vermelho, âmbar e branco, formando as luzes de posição, freio, pisca e ré), abandonando as anteriores que eram doadas pelo Volkswagen Gol. Passava a ter também o “brake-light”, sendo assim o primeiro veículo do Brasil a sair com esse acessório de fábrica. Ao contrário do que se acredita ou é dito, o câmbio, eixo cardã e diferencial é um conjunto próprio, pensado e realizado em esforço conjunto pela Gurgel, Eletrocast (Clark), Romi e Dana. O chassis era apresentado como sendo “Split-Chassis”, com estrutura inferior e superior. Porém, o modelo adotado na produção era constituído somente de sua estrutura inferior.

Chassi Completo

(Chassis no padrão Split-Chassis, que não foi adotado na produção – foto do acervo de Felipe Olivani)

Chassi Parcial (2)

(Chassis no padrão adotado na produção, contando apenas com a parte inferior – foto do acervo de Ricardo Gurgel)

Os primeiros modelos definitivos ganharam as ruas no final de 1988, no esquema de compra de ações e sorteio entre os acionistas. O único modelo que veio a ser produzido foi o “sedã”: o conversível foi abandonado junto da picape. Estes primeiros modelos tinham uma configuração mecânica que mesclava os protótipos anteriores: o motor era o Enertron de 800cm³ e carburação simples (única opção que foi oferecida) com o alternador acoplado ao virabrequim, eliminando qualquer correia no motor, e a suspensão era no esquema Spring-Shock na dianteira e feixe de mola com amortecedor telescópico na traseira. Externamente o primeiro modelo é facilmente caracterizado por ter o teto liso (e não frisado como os posteriores) e tampa traseira de vidro fixo (e não basculante). O esquema de pintura aparece nas publicações como sendo sempre em dois tons, carroceria em uma cor, e preto adornando párachoques, a máscara dianteira (faróis e grade) e acima da linha de cintura (teto e colunas). Internamente o carro se assemelha muito mais ao primeiro CENA, com portaluvas sem tampa e interior espartano.

BR 88 (1)

(Primeiro lote de BR-800 – retirado do YouTube)

BR 88 (4)

(Primeiro modelo do BR-800 [1988], ainda na fábrica em Rio Claro – foto do acervo de Ricardo Gurgel)

Logo cedo em 1989 há alterações no modelo. O alternador acoplado ao virabrequim gerava aquecimento excessivo e pouca capacidade de recarga da bateria por ter tração direta e não dimensionada, assim o Enertron agora passava a ter uma correia – a do alternador. O teto liso era, segundo informações de época, pouco reforçado, e então o teto frisado foi adotado por ter maior reforço estrutural. As rodas, que antes eram as mesmas do Volkswagen Passat, passam a ser próprias, fornecidas pela Mangels. A pintura permanecia no padrão dois tons: párachoques e frente mantinham o tom escuro, mas o teto e colunas não eram mais pintados de preto, somente a máscara dos vidros.

BR 89

(Apesar de ter o teto zenital em caráter experimental [note a placa azul], é um modelo 1989 – foto do acervo de Ricardo Gurgel)

Detalhes

(Detalhes do BR-800 – foto do acervo digital da Quatro Rodas)

Em 1990 o modelo passa por mais aperfeiçoamentos. A tampa traseira de vidro, que era fixa, passou a ser basculante com amortecedor pressurizado, melhorando o acesso ao compartimento de malas e cargas na traseira. A máscara preta dianteira some, e então o tom escuro passou a estar presente somente nos pára-choques e máscara dos vidros. A pintura do interior deixa de ser preta e passa a ser cinza.

BR 90

(Modelo 1990 do BR-800 – foto do acervo de Felipe Olivani)

1991 é o último ano que o modelo figurou no catálogo da fábrica, e foi o primeiro ano em que esteve disponível para venda ao público geral (Quatro Rodas número 369, abril de 1991). Foi o ano em que o modelo ficou mais aprimorado: mecanicamente a fixação do motor passava a ser por meio de um coxim único em configuração superior pendular, a suspensão dianteira passava a ter uma configuração mais comum (molas helicoidais e amortecedores telescópicos em peças separadas), a caixa de mudanças que era própria passava a ser importada da Argentina, de origem do Ford Sierra quatro marchas, e por fim, o radiador ficava mais moderno e com sistema selado. Externamente o BR-800 contava com pintura em único tom, tendo apenas os párachoques em tonalidade cinza, e ganhava novas lanternas, essas sim próprias. Apesar de sempre ter havido dois níveis de acabamento – o Standard e o SL – nessa época as diferenças entre ambos aumentaram. Antes o Standard levava rodas Mangels de ferro pintadas de prata, com calotas centrais, e espelho único para o motorista, enquanto o SL levava calotas do modelo Panther com dois espelhos. O SL em 1991 passava a ser ainda mais completo, tendo rádio com caixas de som embutidas nos forros de porta, tampa de portaluvas, teto zenital para ventilação interna, e novas calotas fornecidas pela Glicério.

BR 91

(Modelo 1991 do BR-800, em sua versão SL, com pintura em padrão único – foto do acervo digital da Quatro Rodas)

Com o lançamento do substituto do BR-800, o Supermini, em fevereiro de 1992, o BR-800 foi descontinuado oficialmente em março de 1992.

Foram fabricadas mais de 3.000 unidades.

FICHA TÉCNICA: Comprimento: 3,195 metros, largura: 1,47 metros, altura: 1,48 metros, altura do solo: 15 cm, bitola dianteira e traseira: 1,285, distância entre eixos: 1,90 metros. Volume de bagagens: 206 litros na altura do banco traseiro, 30 litros até o teto, e, 674 litros com o encosto do banco traseiro reclinado. Peso: 620kg (1990) ou 650 kg (1991). Carga útil: 350 kg. Tanque de 40 litros. Velocidade máxima de 115 km/h. Rodas aro 13″, tala 4,5″ com pneus 145R13.

Fontes: Acervo Digital da Revista Quatro Rodas, acervo pessoal de Ricardo Gurgel disponibilizado no Flickr e acervo pessoal de Felipe Olivani disponibilizado no Flickr.

Texto de Felipe Olivani com informações cedidas por Maximiliam Luppe e Nuno Cadete.